Tem-se que as metodologias para análise de sobrepreço ou superfaturamento sempre geraram uma certa polêmica, uma vez que havia controvérsia sobre quando poderia ser utilizado o Método de Limitação de Preços Unitários Ajustados (MLPUA) e quando deveria ser usado o Método da Limitação do Preço Global (MLPG).
Não raramente, os agentes dos setores público e privado possuem dificuldades de avaliação do preço correto de uma obra pública, o que gera intermináveis discussões dentro dos órgãos de controle, quando da realização de fiscalizações e/ou julgamento das contas dos gestores.
Neste mês, fora noticiado um dado inacreditável, de que o Tribunal de Contas da União concluiu que mais de 70% das obras públicas federais possuem algum tipo de vício.
Isso porque, entre as 94 obras auditadas no Fiscobras 2017 – que é o relatório anual de consolidação das fiscalizações de obras -, foram encontrados indícios de irregularidades graves em 72 delas, o equivalente a 76,5% do total. Entre os achados mais recorrentes estavam o sobrepreço ou superfaturamento (em 19 obras).
Neste contexto, tem-se que as metodologias para análise de sobrepreço ou superfaturamento sempre geraram uma certa polêmica, uma vez que havia controvérsia sobre quando poderia ser utilizado o Método de Limitação de Preços Unitários Ajustados (MLPUA) e quando deveria ser usado o Método da Limitação do Preço Global (MLPG).
Há muito que o TCU já definiu que a precificação de mercado, para fins de obras públicas, deveria tomar por base a tabela do SINAPI (Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil), consoante se infere, por exemplo, do voto condutor do acórdão 2.483/08-TCU-Plenário, in verbis:
“36. Importa, mais uma vez, esclarecer que a escolha do Sinapi como referência de preços é absolutamente adequada, porquanto se trata de indicativo de preços amplamente reconhecido pela pacífica jurisprudência desta Corte de Contas sobre o tema e, demais disso, guarda estreita consonância com a disposição contida no art. 43, inciso IV da Lei nº 8.666, de 21 de julho de 1993, in verbis:
‘Art. 43. A licitação será processada e julgada com observância dos seguintes procedimentos:
(…) IV – verificação da conformidade de cada proposta com os requisitos do edital e, conforme o caso, com os preços correntes no mercado ou fixados por órgão oficial competente, ou ainda com os constantes do sistema de registro de preços, os quais deverão ser devidamente registrados na ata de julgamento, promovendo-se a desclassificação das propostas desconformes ou incompatíveis;'”.
Ou seja, para se verificar se o preço de uma obra qualquer estava de acordo com o preço de mercado, o gestor federal deveria fazer uma análise comparativa com o parâmetro estabelecido no SINAPI, divulgado pela Caixa Econômica Federal.
Contudo, o mero estabelecimento, pelo TCU, de um parâmetro comparativo para valoração de preços de obras públicas não foi o suficiente para solver as discussões sobre a existência ou não de sobrepreços e/ou superfaturamentos.
Isso porque, dois métodos principais passaram a ser utilizados para análise comparativa dos preços apresentados: O Método de Limitação de Preços Unitários Ajustados (MLPUA) e o Método da Limitação do Preço Global (MLPG). E, dependendo da metodologia utilizada, a planilha de preços de uma obra poderia estar em pleno acordo ou não com o parâmetro adotado pela Corte de Contas da União.
O Método de Limitação de Preços Unitários Ajustados (MLPUA) sugere uma comparação item por item entre os valores apresentados pela empresa licitante e os valores constantes na tabela do SINAPI. Este tipo de metodologia não leva em consideração possíveis subpreços apresentados para alguns itens, em detrimento do sobrepreço de outros, focando-se em cada serviço isoladamente.
Já o Método da Limitação do Preço Global (MLPG) admite a compensação entre preços e sobrepreços unitários durante a execução contratual, tomando por base, para fins de comparação, a soma global de todos os itens constantes na proposta apresentada pelo licitante e a soma de todos os valores unitários de referência constantes no SINAPI.
A questão sempre trazida ao debate é: qual seria o método correto a ser utilizado?
No julgamento que desaguou no acórdão 1.219/14-TCU-Plenário, buscou-se fazer essa diferenciação, tendo o tribunal, naquela oportunidade, concluído que não havia como se estabelecer um método padrão para cálculo de sobrepreços, aplicáveis a todas as situações, de forma genérica.
Semelhante questão voltou a ser analisada pelo plenário do TCU recentemente, quando fora proferido o acórdão 2.307/17-TCU-Plenário, tendo sido firmado o entendimento de que deve ser utilizado o MLPG para as situações onde o contrato já esteja sendo executado, e o MLPUA para os casos de análise de editais. Veja-se:
Acórdão: 2307/2017 – Plenário
Data da sessão: 11/10/2017
Relator: AUGUSTO NARDES
Área: Licitação
Tema: Sobreprec¸o
Subtema: Metodologia
Outros indexadores: Obras e serviços de engenharia, Edital de licitação, Método de limitação de preços unitários ajustados, Método de limitação do preço global, Superfaturamento, Contrato administrativo
Tipo do processo: RELATO’RIO DE AUDITORIA
Enunciado: Para apuração de sobrepreço em obras públicas, aplica-se preferencialmente o método da limitação dos preços unitários ajustado (MLPUA) na análise de editais e o método da limitação do preço global (MLPG) no caso de obra ja’ contratada.
[…]
¨19. Entendeu-se que o MLPG (que permite a compensação de itens superavaliados com itens subavaliados) , na maior parte das vezes, apresenta-se como o método mais apropriado na análise de contratos de obras públicas, ja’ que ‘permite a garantia da justa remuneração pela obra, uma vez que a Administração não pagara’ pelo objeto mais do que seu valor de referência’, evitando que ‘a consideração unitária de sobreprec¸os possa repercutir, ate’, ao enriquecimento sem causa da administração’.
20. De acordo com o referido julgado, ‘haveria risco para a Administração apenas numa eventual mudança de quantitativos durante a execução contratual’ (“jogo de planilhas”), risco que pode ser afastado se observada a legislação, ‘que obsta a redução da diferença percentual entre o valor global do contrato e o preço global de referência na ocorrência de aditamentos’. O Acórdão 1.767/2008-TCU-Plena’rio também e’ nesse sentido ao concluir pela obrigatoriedade de manutenção dos padrões de desconto global relativamente ao orçamento- base da licitação.
21. Já’ o MLPU (que consiste na simples soma dos valores superavaliados), deve ser adotado preferencialmente na análise de editais, em casos de ‘sobreavaliação preordenada de itens que apresentam quantitativos claramente subestimados’, ou ainda em alguns casos de inclusão de serviços novos, ‘com vistas a proteger o equilíbrio econômico financeiro do contrato'”.
Nem poderia ser diferente, uma vez que o MLPG permite uma análise mais justa, com a devida compensação de valores unitários, evitando, inclusive, o enriquecimento sem causa do Estado, devendo ser, assim, utilizado sempre que houver contrato assinado e obra executada ou em execução. Já o MLPUA, como possui uma análise mais rígida e limitada, somente deve ser utilizado em situações excepcionais, quando da realização do controle concomitante, através da análise de editais e certames, onde se perceba clara sobreavaliação preordenada de itens que apresentam quantitativos notadamente subestimados.
Tal fato se mostra extremamente relevante não apenas para os gestores públicos, mas também para o setor privado, que após o acórdão 1.959/2017-TCU-Plenário, passou a ter por obrigação um cuidado maior ao ofertar preços alinhados com o mercado, quando da participação em certames.
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*Andrei Aguiar é sócio do escritório Aguiar Advogados. Presidente do CESA-CE. Conselheiro da OAB-CE.
Publicado em: https://migalhas.uol.com.br/depeso/269217/a-metodologia-para-analise-de-superfaturamento-de-obra-segundo-o-tcu