A gestão de recursos públicos acarreta similaridade entre os elementos que compõe o Sistema “S”, em certos quesitos, com os órgãos e entes que fazem parte da Administração Pública direta e indireta.
sexta-feira, 12 de março de 2021
Em apartada síntese, é imperioso rememorar que “Os Serviços Sociais Autônomos nasceram na segunda metade do século XX, com uma concepção de auxiliar a educação e o ensino profissional no país, tendo sido criados por lei específica, sobrevindo de arrecadação compulsória de recursos nominados de contribuições paraestatais, atuando em cooperação com o Poder Público.”
Neste desiderato, é salutar esclarecer que em razão de administrarem recursos considerados pela Colenda Corte de Contas como públicos, os integrantes do Sistema “S” atraem para si a fiscalização do Tribunal de Contas da União, conforme consolidada jurisprudência. Veja-se:
“Acórdão 2.314/04, 1ª Câmara:
[…] o TCU tem decidido que o chamado “Sistema S” não integra a Administração Pública. É pacífica, contudo, a posição do Tribunal de que há sujeição dos componentes do “Sistema S” à fiscalização do Tribunal, como decorrência do caráter público dos recursos colocados à sua disposição.” (Marcos Bemquerer Costa – Relator).
É de bom alvitre mencionar, que a gestão de recursos públicos acarreta similaridade entre os elementos que compõe o Sistema “S”, em certos quesitos, com os órgãos e entes que fazem parte da Administração Pública direta e indireta.
Não se deve olvidar que a Administração Pública, ao realizar uma contratação, obriga-se, em regra, a realizar um regular processo licitatório, à inteligência do artigo 2º, “caput“, da lei 8.666/93, bem como em obediência aos princípios administrativos da isonomia, impessoalidade e eficiência. Veja-se:
“Acórdão 34/11. Plenário [voto] …
12. A obrigação de licitar não é mera formalidade burocrática decorrente apenas de preceitos legais. Ela se funda em dois princípios maiores: os da isonomia e da impessoalidade, que asseguram a todos os que desejam contratar com a administração a possibilidade de competir com outros interessados em fazê-lo, e da eficiência, que exige busca da proposta mais vantajosa para a administração.
13. Assim, ao contrário do afirmado nas justificativas apresentadas, a licitação, além de ser exigência legal, quando bem conduzida, visa – e permite – a obtenção de ganhos para a administração. E quando a possibilidade de prejuízos existe, a própria lei, novamente com base no princípio da eficiência, prevê os casos em que o certame licitatório pode ser dispensado”. (grifou-se).”1
Frisa-se, por oportuno, que a dispensa e licitação, consoante dito acima, trata-se de uma exceção ao dever geral de licitar contido no art. 37, XXI da Constituição Federal, somente sendo, portanto, cabível nas situações em que, embora viável a competição, o certame, em tese se afigura inconveniente e inoportuno ao interesse público.
É cabo cediço que em situações excepcionais, o próprio ordenamento jurídico traceja um contorno para tal regramento, permitindo, por assim dizer, que a licitação seja afastada. Tais exceções dão azo as contrações diretas por meio de dispensa e inexigibilidade.
Ressalta-se, nesta perspectiva, que os artigos 24 e 25 da lei 8.666/93, os quais arrazoam respectivamente os casos em que a licitação é dispensável e inexigível, devem ser aplicados em situações pontuais, efetuando uma análise pormenorizada do caso em deslinde e verificando se o mesmo subsume-se ao preconizado no comando normativo.
Adverte-se que a pretensão do legislador expressa no art. 24, do inciso XIII, foi incitar a contribuição, pelo Poder Público, à atuação e aperfeiçoamento de instituições que se dediquem às atividades (pesquisa, ensino, desenvolvimento institucional ou recuperação social do preso), reputadas pela lei, como de relevante interesse público.
Desta feita, infere-se que tal permissivo legal objetiva impulsionar a atuação e o aperfeiçoamento de instituições voltadas especificamente às atividades outrora elencadas, uma vez que se impõe que o objeto do contrato celebrado com o Poder Público esteja diretamente relacionado com tais finalidades.
Neste diapasão, ao analisar a contratação do Serviço Social Autônomo por parte da Administração Pública, deve ser observada as peculiaridades da subsunção do que preconiza o artigo 24, inciso XIII da lei 8.666/93, cuja inteligência retrata que pode ser efetivada diretamente a contratação de instituição brasileira incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, ou de instituição dedicada à recuperação social do preso, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos.
Prima facie, não há sombra de dúvidas que o Sistema “S” se trata de instituição brasileira sem finalidades lucrativa que detém, na sua área de atuação, inquestionável reputação ético-profissional, até mesmo porque, como ressalta Bandeira de Mello, tais organizações desenvolvem suas atividades paralelamente às ações implementas pelo próprio poder público, sendo:
“Pessoas privadas que colaboram com o Estado desempenhando atividade não lucrativa e à qual “o Poder Público dispensa especial proteção, colocando a serviço delas manifestações de seu poder de império, como o tributário, por exemplo. Não abrange as sociedades de economia mista e empresas públicas; trata-se de pessoas privadas que exercem função típica (embora não exclusiva do Estado), como as de amparo aos hipo-suficientes, de assistência social, de formação profissional. O desempenho das atividades protetórias próprias do Estado de polícia por entidades que colaboram com o Estado, faz com que as mesmas se coloquem próximas ao Estado, paralelas a ele”. (BANDEIRA DE MELO, 2004, p. 209). (grifo nosso).
Alexandre Mazza (2011, p. 154), ao teorizar sobre os Serviços Sociais Autônomos, elenca as seguintes características como imprescindíveis para o seu perfeito enquadramento dentro dos entes de cooperação:
“São pessoas jurídicas de direito privado; criados mediante autorização legislativa; não tem fins lucrativos; executam serviço de utilidade pública, e não serviço público; produzem benefícios para grupos ou categorias profissionais; não pertencem ao Estado; são custeados por contribuições compulsórias pagas pelos sindicalizados (art. 240 da CF), sendo exemplo de parafiscalidade tributária (art. 7º do CTN); os valores remanescentes dos recursos arrecadados constituem superávit, e não lucro, devendo ser revestidos nas finalidades essenciais da entidade; estão sujeitos a controle estatal, inclusive por meio dos tribunais de contas; não precisam contratar mediante concurso público; estão obrigados a realizar licitação (art. 1º da lei 8666/93); são imunes a impostos incidentes sobre patrimônio, renda e serviços” (art. 150, VI, c, da CF)”. (grifo nosso).
Superada a questão da ausência de finalidade lucrativa e da reputação ético-profissional, tem-se como aspecto relevante a ser apreciado objetivando o seu perfeito enquadramento ao que giza o preceito legal, a finalidade precípua a pesquisa, ensino ou desenvolvimento institucional, ou, ainda, que a dedicação à recuperação social do preso.
Neste quesito, assevera-se que o Regimento interno do SENAI, a título ilustrativo, tem como objetivos a assistência aos empregadores na elaboração e execução de programas gerais de treinamento do pessoal dos diversos níveis de qualificação; apresentação, aos trabalhadores maiores de 18 anos, das oportunidades de completar, em cursos de curta duração, a formação profissional parcialmente adquirida no local de trabalho; cooperação no desenvolvimento de pesquisas tecnológicas de interesse para indústria e atividades assemelhadas.
Já o Regulamento do SESI, por exemplo, expressa como seus principais objetivos, dentre outros, a educação de base e para a economia, saúde, familiar, moral, cívica e comunitária.
Portanto, quanto ao SENAI e SESI (sendo a situação extremamente similar para o SENAC, SENAT, SESC, dentre outros) restaria perfeitamente caracterizada a hipótese de enquadramento no artigo 24, inciso XIII da lei 8.666/93, desde que, obviamente, haja a demonstração de que o objeto contratado se relacione diretamente com as atividades finalísticas das entidades.
Marçal Justen filho, in “Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos”, 14ª edição, pg, 327, preleciona que:
“Um aspecto fundamental reside em que o inc. XIII, não representa uma espécie de válvula de escape para a realização de qualquer contratação, sem necessidade de licitação. Seria um despropósito imaginar que a qualidade subjetiva do particular a ser contratado (instituição) seria suficiente para dispensar a licitação quara qualquer contratação buscada pela Administração. Ou seja, somente se configuram os pressupostos do dispositivo quando o objeto da contratação inserir-se no âmbito de atividade inerente e próprio da instituição.
[…]
As condições acima efetuadas conduzem à necessidade de um vínculo de pertinência absoluta entre a função da instituição e o objeto da avença com a Administração. Isso equivale a afirmar que somente podem ser abrigadas no permissivo do inc. XIII contratações cujo objeto se enquadre no conceito de pesquisa, ensino, desenvolvimento institucional ou recuperação social de presos.”. (destaque nosso).
Nesse espeque é imperioso trazer à baila que decisões reiteradas da Colenda Tribunal de Contas da União, cujo teor assevera que:
“A contratação direta com fundamento no art. 24, XIII, da Lei de Licitações deve ocorrer quando houver nexo esse fundamento, a natureza da instituição contratada e o objeto ajustado, além da compatibilidade entre o preço pactuado e o preço de mercado. Os instrumentos contratuais devem explicitar os preços a serem pagos pelos itens de serviços efetivamente executados., a fim de garantir que os mesmos sejam compatíveis com os preços de mercado.”. (acórdão 50/07, Plenário, relator Min. Bejamim Zymler).
“A jurisprudência desta Corte já afirmou que, para a contratação direta com base na norma supra, não basta que a entidade contratada preencha os requisitos estatutários exigidos pelo dispositivo legal, é necessário, também, que o objeto a ser contratado guarde estreita correlação com as atividades de ensino, pesquisa ou desenvolvimento institucional.” (acórdão 1.616/03 – Plenário, relator Min. Augusto Sherman).
Na mesma senda se orienta a decisão proferida pelo TCU em precedente relatado pelo min. Augusto Sherman Cavalcanti, em cujo Voto condutor do respectivo Acórdão, de 1.614/03, assim apregoa:
“…quando da contratação direta com fulcro no inciso XIII do art. 24. da Lei de Licitações, atente para a necessidade de haver nexo entre a natureza da entidade e o objeto contratado, além de comprovada a razoabilidade de preços, conforme reiterada jurisprudência desta Corte.”.
Este entendimento é estreme de controvérsia, tendo sido objeto da súmula 250 do TCU, nos seguintes termos:
“A contratação de instituição sem fins lucrativos, com dispensa de licitação, com fulcro no art. 24, inciso XIII, da Lei n.º 8.666/93, somente é admitida nas hipóteses em que houver nexo efetivo entre o mencionado dispositivo, a natureza da instituição e o objeto contratado, além de comprovada a compatibilidade com os preços de mercado.”
Conclui-se, desta forma, que inexiste óbice para a contratação direta das entidades que compõem o Sistema “S” pela Administração Pública, com fundamento no inciso XIII, artigo 24, da lei 8.666/93, devendo, contudo, o objeto da contratação estar voltado para pesquisa, ensino, recuperação social do preso ou desenvolvimento institucional e que o serviço seja inerente à atividade finalística do serviço social autônomo contratado.
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1 AGUIAR, Ubiratan. Questões polêmicas do Sistema “S” sob a ótica do TCU/Ubiratan Aguiar, Andrei Aguiar. 1 ed. – Belo Horizonte, 2015.
Atualizado em: 12/3/2021 12:28
Geisa Aguiar
Bacharela em Direito pela Faculdade Farias Brito – FFB. Pós-graduada em Direito Público. Advogada do escritório Aguiar Advogados.
Publicado em: https://www.migalhas.com.br/depeso/341629/contratacao-direta-do-sistema-s-pelo-poder-publico