É inaplicável a íntegra da lei 10.520/02 às licitações realizadas pelas Estatais, uma vez que há procedimento específico próprio previsto na lei 13.303/16, que deve ser seguido, face ao disposto no seu art. 28.
Ao final do mês de junho do corrente ano, encerrou-se o prazo para que todas as empresas públicas e sociedades de economia mista alterassem seus regulamentos e se enquadrassem ao disposto pela lei 13.303/16, mais conhecida como Lei das Estatais.
A Lei das Estatais, certamente, surgiu como um marco para estabelecimento de um melhor controle destas pessoas jurídicas, diante de um cenário onde os altos índices de corrupção nas estatais saltam aos olhos de todos, com indicações unicamente políticas para os mais altos cargos.
Inobstante a isso, dada a jovialidade da norma e as inovações trazidas, algumas dúvidas interpretativas ainda terão que ser dirimidas no decorrer dos próximos anos, através das análises doutrinárias e jurisprudenciais.
Um dos pontos que resulta em notórias polêmicas e questionamentos diz respeito à aplicabilidade ou não da lei 10.520/02 às licitações previstas na Lei das Estatais, diante do que dispôs o seu art. 32, IV, in verbis:
Art. 32. Nas licitações e contratos de que trata esta Lei serão observadas as seguintes diretrizes:
[….]
IV – adoção preferencial da modalidade de licitação denominada pregão, instituída pela Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, para a aquisição de bens e serviços comuns, assim considerados aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado;
À primeira vista, em face do disposto no normativo acima transcrito, imagina-se que as licitações de bens e serviços comuns, no âmbito das Estatais, deverão seguir os procedimentos previstos na lei 10.520/02, o que é defendido por alguns juristas pátrios. Entretanto, uma análise mais cuidadosa da matéria, pode levar a entendimento diverso.
Isso porque, o art. 28, da lei 13.303/16 diz expressamente que todos os contratos firmados com terceiros destinados à prestação de serviços deverão ser precedidos de licitação nos termos descritos na própria Lei das Estatais. Veja-se:
Art. 28. Os contratos com terceiros destinados à prestação de serviços às empresas públicas e às sociedades de economia mista, inclusive de engenharia e de publicidade, à aquisição e à locação de bens, à alienação de bens e ativos integrantes do respectivo patrimônio ou à execução de obras a serem integradas a esse patrimônio, bem como à implementação de ônus real sobre tais bens, serão precedidos de licitação nos termos desta Lei, ressalvadas as hipóteses previstas nos arts. 29 e 30.
Neste exato momento, surgem os problemas para defesa da aplicação da lei 10.520/02 às licitações ocorridas com base na Lei das Estatais. Ora, a lei 13.303/16 determina que sejam aplicados os procedimentos previstos nela, mesmo para aquisições de bens e serviços comuns, que, por sua vez, se diferem em vários pontos, daqueles previstos na Lei do Pregão.
A título exemplificativo, pode ser citada a questão do prazo mínimo para divulgação dos editais, onde a lei 10.520/02 estabelece um interstício mínimo de 8 (oito) dias1, enquanto que a Lei das Estatais prevê prazos completamente distintos a depender do que for pretendido2.
Na mesma trilha, o prazo para impugnação ao edital utilizado nos pregões pautados pela lei 10.520/02 é de até 2 (dois) úteis antes da data fixada para abertura do certame, enquanto que na lei 13.303/16, este prazo passa a ser de até 5 (cinco) dias úteis3.
O prazo recursal também é completamente diverso, quando se analisa a Lei do Pregão4 (3 dias) e a Lei das Estatais5 (5 dias úteis), o que dificulta a aplicação imediata da lei 10.520/02.
Por fim, ressalta-se que no caso de desistência do licitante vendedor antes da assinatura do contrato, o gestor, com base na lei 13.303/16, pode convocar os demais concorrentes, observando a ordem de classificação, a IGUALAR a proposta do vencedor. Já na lei 10.520/02, a convocação dos concorrentes subsequentes observa os valores apresentados por cada um em sua proposta, sendo mais dispendioso para a administração pública. Veja-se o que dispõem os dispositivos de cada norma:
Lei 13.303/06
Art. 75. A empresa pública e a sociedade de economia mista convocarão o licitante vencedor ou o destinatário de contratação com dispensa ou inexigibilidade de licitação para assinar o termo de contrato, observados o prazo e as condições estabelecidos, sob pena de decadência do direito à contratação.
[…]
§ 2º É facultado à empresa pública ou à sociedade de economia mista, quando o convocado não assinar o termo de contrato no prazo e nas condições estabelecidos:
I – convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para fazê-lo em igual prazo e nas mesmas condições propostas pelo primeiro classificado, inclusive quanto aos preços atualizados em conformidade com o instrumento convocatório;Lei 10.520/02
Art. 4º A fase externa do pregão será iniciada com a convocação dos interessados e observará as seguintes regras:
[…]
XVI – se a oferta não for aceitável ou se o licitante desatender às exigências habilitatórias, o pregoeiro examinará as ofertas subseqüentes e a qualificação dos licitantes, na ordem de classificação, e assim sucessivamente, até a apuração de uma que atenda ao edital, sendo o respectivo licitante declarado vencedor;
[…]
XXIII – se o licitante vencedor, convocado dentro do prazo de validade da sua proposta, não celebrar o contrato, aplicar-se-á o disposto no inciso XVI.
Destarte, não há como se aplicar a íntegra da lei 10.520/02 às licitações preconizadas na Lei das Estatais, haja vista a clara incompatibilidade de procedimentos.
Por óbvio que, dada a especificidade da lei 13.303/16, em relação àquelas instituições que se encontram alcançadas pelas suas disposições, deverá ser aplicado o seu art. 28, precedendo todas as contratações realizadas, dos procedimentos previstos na própria norma, independentemente de se tratar de bens e serviços comuns ou não.
Quanto ao citado art. 32, IV, da Lei das Estatais, tem-se que a interpretação mais razoável seria a de que ele remete à utilização de um pregão (cuja terminologia foi criada na lei 10.520/02) próprio da lei 13.303/16, que se assemelha ao original, com abertura de preços antes da habilitação, fase de lances e demais simplificações, contendo, entretanto, suas peculiaridades.
Neste espeque, conclui-se que é inaplicável a íntegra da lei 10.520/02 às licitações realizadas pelas Estatais, uma vez que há procedimento específico próprio previsto na lei 13.303/16, que deve ser seguido, face ao disposto no seu art. 28.
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1 Art. 4º A fase externa do pregão será iniciada com a convocação dos interessados e observará as seguintes regras:
[…]
V – o prazo fixado para a apresentação das propostas, contado a partir da publicação do aviso, não será inferior a 8 (oito) dias úteis;
2 Art. 39. Os procedimentos licitatórios, a pré-qualificação e os contratos disciplinados por esta Lei serão divulgados em portal específico mantido pela empresa pública ou sociedade de economia mista na internet, devendo ser adotados os seguintes prazos mínimos para apresentação de propostas ou lances, contados a partir da divulgação do instrumento convocatório:
I – para aquisição de bens:
a) 5 (cinco) dias úteis, quando adotado como critério de julgamento o menor preço ou o maior desconto;
b) 10 (dez) dias úteis, nas demais hipóteses;
II – para contratação de obras e serviços:
a) 15 (quinze) dias úteis, quando adotado como critério de julgamento o menor preço ou o maior desconto;
b) 30 (trinta) dias úteis, nas demais hipóteses;
III – no mínimo 45 (quarenta e cinco) dias úteis para licitação em que se adote como critério de julgamento a melhor técnica ou a melhor combinação de técnica e preço, bem como para licitação em que haja contratação semi-integrada ou integrada.
3 Art. 87. O controle das despesas decorrentes dos contratos e demais instrumentos regidos por esta Lei será feito pelos órgãos do sistema de controle interno e pelo tribunal de contas competente, na forma da legislação pertinente, ficando as empresas públicas e as sociedades de economia mista responsáveis pela demonstração da legalidade e da regularidade da despesa e da execução, nos termos da Constituição.
§ 1o Qualquer cidadão é parte legítima para impugnar edital de licitação por irregularidade na aplicação desta Lei, devendo protocolar o pedido até 5 (cinco) dias úteis antes da data fixada para a ocorrência do certame, devendo a entidade julgar e responder à impugnação em até 3 (três) dias úteis, sem prejuízo da faculdade prevista no § 2o.
4 Art. 4º A fase externa do pregão será iniciada com a convocação dos interessados e observará as seguintes regras:
[…]
XVIII – declarado o vencedor, qualquer licitante poderá manifestar imediata e motivadamente a intenção de recorrer, quando lhe será concedido o prazo de 3 (três) dias para apresentação das razões do recurso, ficando os demais licitantes desde logo intimados para apresentar contra-razões em igual número de dias, que começarão a correr do término do prazo do recorrente, sendo-lhes assegurada vista imediata dos autos;
5 Art. 59. Salvo no caso de inversão de fases, o procedimento licitatório terá fase recursal única.
§ 1o Os recursos serão apresentados no prazo de 5 (cinco) dias úteis após a habilitação e contemplarão, além dos atos praticados nessa fase, aqueles praticados em decorrência do disposto nos incisos IV e V do caput do art. 51 desta Lei.
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Andrei Aguiar é sócio-diretor do escritório Aguiar Advogados.
Publicado em: https://migalhas.uol.com.br/depeso/284734/a-inaplicabilidade-da-lei-10520-02-as-licitacoes-previstas-na-lei-das-estatais